sábado, 13 de setembro de 2008

Como lidar com as roupas


Há um tempo em que nossas roupas já não servem mais e a faxina torna-se necessária ao guarda-roupa. Se lembra daquela blusa que você tanto gostava? É hora de dar um fim nela, desfazer-se. E aquela calça que você usou na quadrilha da escola? Pois é, já está curta demais. Aquela camiseta de jogar futebol então, nem se fala. Depois de tanto racha, ficou toda desbotada e com um rasgo que te lembra aquela segurada malandra que o zagueiro deu em você. Por mais difícil que seja, é preciso dar um fim nessas vestimentas.


Tem gente que doa as roupas, é uma boa saída. Pode doar para o irmão, para o amigo, para um conhecido necessitado. Mas no fim das contas, causa muito incômodo ver alguém usar aquela sua roupa, aquela que você ganhou do padrinho, ou então aquela que você estava usando quando beijou aquela menina, ou aquela, sim, aquela que você cuidava com tanto carinho e agora vive suja de lama, tão mal cuidada. Dá uma pena ver suas roupas maltratadas. E por isso, as mantemos conosco mesmo, sob as asas de quem as ama e sempre manejará com zelo.


Por isso tem gente que não se desfaz das roupas e fica com o guarda-roupa cheio, cheio de inutilidades, cheio de lembranças, mas vazio de benefícios. Cria-se uma ilusão de que um guarda-roupa preenchido garante segurança e condições para se vestir em qualquer ocasião, quando na verdade apenas uma meia dúzia de peças é que realmente estão "em uso". As gavetas estão tão cheias que dá trabalho para fechar. Há uma partição de roupas novas, as de sair, e outra de roupas mais antigas, para usar em casa. Na gaveta de cuecas, um bolo mal definido mistura elásticos rasgados, sungas, samba-canções, uns poeminhas escritos em folha de caderno e algumas cuequinhas vermelhas, que é pra dar um ar mais sensual. Cada cabide abriga no mínimo duas peças, uma mais velha por baixo e a mais nova, que será utilizada, por cima. O calceiro é de difícil acesso, pois está pesado e as barras mal feitas daquele moletom preto velho ficam arrastando pelo chão, atravancando o movimento.


E olhando como um bom crítico, tenho muita pena dessas roupas. Afinal de contas, estão ali por puro capricho do dono, sem cumprir seu papel, sem fazer aquilo para que vieram ao mundo: VESTIR. E sem se dar conta disso, o guardador de roupas, assim como meu Caeiro guardador de rebanhos, adoece. Sem querer, o pobre coitado aprisiona ali suas roupinhas, tira delas o mundo e tira do mundo elas, abarrota suas prateleiras e contribui para a entropia do móvel. Atinge o limite de resistência da madeira, até que precisa chamar o marceneiro para dar um jeito no guarda-roupa, que também já está ficando velho.


Pois há um segredo, e pouca gente sabe, para manter seu guarda-roupa sempre novo. Doe. Liberte-se. Não prenda suas roupas. Dê para seu irmão, para seu amigo, para seu vizinho, para o mendigo da esquina, dê! Não se preocupe com a vida pós-você de suas roupas. Elas certamente vão se virar sozinhas e serão felizes com o novo dono, para quem terão utilidade. Algum dia talvez você cruze com elas na rua e veja o quão feliz elas estarão se sentindo no manequim de alguém, muito mais móveis e flexíveis do que estavam quando dobradas. Assim poderá manter seu guardador sempre em forma, abrigando sempre uma quantidade tolerável de peças e sujeito a menor esforço físico.


E se por assim guiar sua vida, sempre terá um espaço para um acessório novo, o qual vai passar pela história de seu armário e fazê-lo mais completo e experiente. Afinal de contas, é no espaço das peças antigas que se encaixam as novas. É nos momentos de mudança em que realmente se decide a vida. É nos minutos finais que a probabilidade de um time marcar é maior e é na hora de se desfazer das roupas que sua felicidade pode aparecer. Não tenha medo, pois o mundo é daqueles que se arriscam, daqueles que "não vão por ali". Nunca vi alguém ser feliz sem se arriscar, mas já vi muito medroso chorando pelos cantos, arrependido por não ter se desfeito daquela meia. E se serve de consolo para você, aquela camiseta velha de dormir, aquela é eterna e nunca deve ser jogada fora. Mas você saberá a hora certa de escolher a sua, pois "sentirá seu coração parar de funcionar por alguns segundos" (Drummond) quando tocá-la. Eventualmente pode ser que se engane uma ou outra vez na escolha da sua roupa de dormir, mas caso isso ocorra, em algum momento será percebido. E nesse dia, faça a faxina.


Desculpe o texto confuso, mas preciso ir agora. Meu guarda-roupas está cheio!

3 comentários:

Unknown disse...

Cainã, vc eh foda. E o melhor de tudo, eu inspirei esse texto (Y)

disse...

Nã, tá demais! :D
Esse texto serve pra todo mundo ler, inclusive pra mim...tinha umas frases no final do texto, que você me mandou no msn pra mim um dia desses lembra? Frases para serem relidas...e relidas.

;*

.jessica disse...

eu digo com toda a força que meus pulmões tem:Cainã Renó é meu salvador.

acho que ele não sabe,mas sempre ajuda,muitas vezes sem querer,sem pensar que está ajudado

com toda a força de meus pulmões digo:Cainã Renó é meu idolo!